Maioridade
Penal: Contra ou a Favor?
Maria
Clara Lucchetti Bingemer
Quando se
fala em tomar medidas legais para combater a criminalidade, inevitavelmente vem
à tona a discussão sobre a redução da maioridade penal — a idade em que, diante
da lei, um jovem passa a responder inteiramente por seus atos, como os cidadãos
adultos. Existem atualmente no Congresso Nacional mais de 54 projetos de lei
com esse objetivo. O assunto voltou com força ao noticiário depois do
assassinato de um casal de namorados em São Paulo, em novembro de 2003. O
principal suspeito de ter arquitetado e cometido o crime, com métodos cruéis, é
um rapaz de 16 anos. E no assassinato do menino João Helio, acontecido no bojo
de um assalto onde estavam sua mãe e sua irmã, colocou ainda mais lenha na
fogueira.
Numa
pesquisa do Instituto Sensus, de Minas Gerais, divulgada no fim de 2003, 88%
dos entrevistados apoiaram uma reforma nas leis que reduza para 16 anos a
responsabilidade criminal no país. O Site do Professor também realizou um
levantamento informal sobre o assunto e 75% dos internautas que decidiram participar
se manifestaram pela maioridade penal aos 16. Como se vê, a idéia conta com o
apoio de uma expressiva maioria da população. Por que tanta gente está disposta
a empunhar essa bandeira?
Efetivamente,
os argumentos são fortes. Se alguém com 16 anos de idade pode votar, por que
não poderia responder por crimes cometidos? Se pode tomar bebida alcóolica e
dirigir carro, por que não pode ser preso? Os que defendem a redução da
maioridade penal acreditam que os adolescentes infratores cometem crimes porque
não são suficientemente punidos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é
considerado tolerante demais com a delinqüência e portanto inoperante para
cumprir sua função de intimidar os jovens que pensam em transgredir a lei. Além
disso, supõe-se que o número de crianças e adolescentes infratores esteja
aumentando vertiginosamente, e que essa tendência só poderá ser revertida com a
adoção de medidas repressivas.
É verdade
que jovens cada vez mais novos são recrutados por criminosos adultos —
sobretudo os chefes e subchefes do tráfico de drogas — para atuar em suas
quadrilhas. São personagens que o livro Cidade de Deus, de Paulo Lins, e depois
o filme de Fernando Meirelles apresentaram ao mundo: "vapores" (que
fazem ligação entre os traficantes e os usuários de drogas), "aviões"
(que levam a droga para fora das favelas), "fogueteiros" (vigilantes
que soltam rojões para anunciar a chegada da polícia ou do carregamento de
droga) e "soldados" (seguranças de pontos de venda). Em parte é a
relativa impunidade que leva o tráfico a procurar "empregados" nessa
faixa etária, uma vez que o ECA prevê no máximo três anos de reclusão para
menores infratores. Outros motivos que influem na preferência dos traficantes
pela mão-de-obra infantil são uma suposta impulsividade característica da idade
e o fascínio que a carreira criminosa exerce sobre os jovens. O tráfico seduz
porque promete mais dinheiro, mais respeito e mais força dentro de comunidades
em que o contexto familiar se tornou muito vulnerável. Um menino que vê o pai
trabalhando duramente a vida inteira e ganhando salário mínimo já em sua
velhice, como vai acreditar que isso vale a pena? Em lugar disso, ser avião ou
vapor do tráfico não lhe garante vida longa, mas lhe dá a possibilidade de
obter recursos que nunca obteria se não fosse por essa via.
Entrevistados,
meninos moradores de favela que são contratados pelo tráfico têm sonhos: de dar
uma casa para a mãe, de adquirir tênis e sapatos de marca, de poder levar uma
vida com mais prazer e adquirir coisas que só o dinheiro permite comprar. Tudo
isso os anima a entrar no tráfico. E como tráfico e crime andam de mãos dadas,
muitas vezes vemos esses jovens assalariados do tráfico nas páginas dos jornais
envolvidos com crimes hediondos. Diante dessa mistura de ambição de consumo,
acesso a armas e ousadia (freqüentemente associada à idéia de que não há nada a
perder), não é de surpreender que a figura do "adolescente em conflito com
a lei", como é chamado oficialmente, provoque tanto pavor. Também é
compreensível que esse sentimento seja comum entre docentes e trabalhadores do
ensino, para quem a situação inspira impotência e fracasso, uma vez que a
escola deveria ser um dos antídotos para a sedução do crime e na verdade não
tem demonstrado isto.
Mesmo
assim, o quadro é menos sombrio do que se costuma crer: as estatísticas mostram
que os homicídios cometidos por menores de 18 anos estão bem abaixo de 10% do
total do país. E mais: a solução mais adequada seguramente não é essa: reduzir
a maioridade penal. Corremos sério risco de, em fazendo isso, ver em breve os
traficantes recrutando menores de idade cada vez mais baixa. E as novas
gerações se prostituindo e sendo exterminadas de forma cada vez mais cruel.
Se nosso
sistema carcerário fosse realmente recuperador e reintegrador do infrator na
vida social, o problema seria diferente. Mas o que vemos são jovens entrando
primários nos cárceres e reformatórios e dali a alguns anos com mais vários
crimes nas costas. Reduzir a maioridade penal nessa situação é empurrar jovens
já em frágil equilíbrio emocional e psíquico cada vez mais para o caminho sem
volta do crime e da morte.
http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=8640&cod_canal=44 acessado em 07/05/2013